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Asma

CARACTERÍSTICAS PATOLÓGICAS

Nos pacientes mortos em decorrência de asma fatal, a característica macroscópica mais importante é a obstrução generalizada das vias aéreas segmentares, e condutos menores por meio de tampões de exsudato de muco, que levam à hiperinsuflação pulmonar com palescência, sem que ocorram áreas de enfisema centrolobular ou outras formas destrutivas de enfisema.1 Os pulmões permanecem distendidos mesmo após a abertura e/ou retirada do tórax (Figura 1). Áreas focais de atelectasias são encontradas, decorrentes da obstrução causada pela oclusão de brônquios e bronquíolos por muco espesso, gelatinoso, de coloração amarelada. Os brônquios de todos os calibres, quando seccionados, apresentam paredes espessadas.

A característica principal fisiopatológica da asma brônquica é a limitação ao fluxo aéreo, que ocorre em decorrência de alterações inflamatórias e estruturais cujas principais características são:2,3

1. Vasodilatação e congestão da microvascularização brônquica, com aumento na exsudação de plasma para o interstício e luz das vias aéreas e consequente edema. Mesmo pequenas quantidades de líquido intraluminal podem determinar aumento importante na resistência das vias aéreas. Ocorre ainda infiltração de células inflamatórias nas vias aéreas, principalmente por eosinófilos, linfócitos, mastócitos e macrófagos com descamação do epitélio brônquico e espessamento da membrana basal reticular (Figura 2).

2. Hipersecreção mucosa, hipertrofia das glândulas mucosas (Figura 3), aumento das células caliciformes, com aumento de secreção intraluminal, e obstrução das vias aéreas por "rolhas" de muco.

3. Contração e encurtamento da musculatura lisa 'espiral', que envolve a via aérea, com aumento da massa muscular, hipertrofia e hiperplasia muscular (Figura 4).

O dano epitelial é uma característica patológica observada em todos os fenótipos da asma.4 As células do epitélio colunar soltam-se de suas bases (desnudamento epitelial) (Figura 5) provavelmente como resultado de uma apoptose prematura, com a perda da adesão intercelular. A extensão do dano epitelial relaciona-se com a gravidade da asma e com o nível de hiper-responsividade brônquica.

Sob microscopia eletrônica, a membrana basal consiste de três camadas: a lâmina lúcida adjacente à membrana plasmática basal das células que repousam na lâmina – tipicamente células epiteliais – outra camada eletrodensa,  a lâmina densa e a lâmina reticularis, contendo fibrilas de colágeno, que liga a lâmina basal ao tecido conjuntivo subjacente. Na asma ocorre o espessamento da lâmina reticularis da membrana basal que se compõe de uma densa camada de colágeno fibrilar, cuja espessura varia de 10–15 µm, o dobro do normal, decorrente de uma deposição anormal de componentes da matriz intersticial extracelular, tais como fibras colágenas tipos I, III e V, fibronectina,5 tenascina-C6 e laminina ß2,7 sem os componentes da lâmina basal (colágeno Tipo IV, laminina) (Figura 6).

O espessamento subepitelial, avaliado através de fragmentos de biópsias brônquicas obtidas por broncofibroscopia, apresenta estreita correlação com a gravidade da doença (Figura 7).

O agrupamento de células epiteliais ciliadas em cachos com mais de 100 células configura os chamados corpos de Creola (Figura 8).8 Os corpos de Creola são mais descritos na asma infantil encontrados após exame no escarro de bebês, significando perda epitelial das vias aéreas.

As espirais de Curschmann9 e os cristais de Charcot-Leyden,10 considerados uma marca morfológica de doenças relacionadas aos eosinófilos, são outras características não patognomônicas da asma. As espirais de Curschmann são criadas nas pequenas vias aéreas, e são formadas por muco condensado envolto por numerosas e tênues fibrilas (Figura 9). Os cristais de Charcot-Leyden constituem uma proteína pertencente à superfamília das galectinas, com destaque para a galectina-10, uma proteína abundante no citoplasma dos eosinófilos, desempenhando uma importante participação na granulogênese. Após a ativação dos eosinófilos, essas proteínas têm a capacidade de se autocristalizar rapidamente no ambiente extracelular, dando origem aos cristais de Charcot-Leyden (CCLs) (Figura 10). Esses cristais são frequentemente encontrados incorporados em acúmulos de muco nas vias aéreas superiores e inferiores.11 Identificados inicialmente por Jean-Martin Charcot12 e Ernst Viktor von Leyden,13 os CCLs estão associados à asma persistente, desempenhando um papel significativo na indução da inflamação nas vias aéreas. Além disso, esses cristais estão implicados na ocorrência de metaplasia das células caliciformes, hiper-responsividade e na síntese exacerbada de IgE.11

Componentes do Remodelamento Brônquico

A presença de "rolhas" de muco (Figura 11) indica deficiência crônica no sistema secretor de muco ou no clearance mucociliar, ou em ambos. O "tampão mucoso" na realidade não apresenta o muco como único componente, encontrando-se em sua constituição proteínas plasmáticas (albumina...), ADN, células (eosinófilos, linfócitos, macrófagos...), actina e proteoglicanos. Anormalidades no número de células caliciformes são acompanhadas por alterações na mucina armazenada e secretada. MUC5AC e MUC5B são os principais componentes do muco das vias aéreas. Na asma a expressão da mucina se apresenta alterada, pois a produção da MUC5AC é regulada positivamente enquanto a produção da MUC5B é reduzida. Isto resulta em um gel de muco heterogêneo das vias aéreas compreendendo 'domínios' MUC5AC e MUC5B distintos. É um muco intrinsicamente anormal em seu perfil biofísico, apresentando-se com viscosidade alterada. Se acumula, formam-se tampões mucosos que obstruem as vias aéreas.14 O clearance mucociliar está prejudicado na asma.15 A frequência do batimento ciliar está reduzida na asma moderada e grave em comparação com controles16 e a direção do batimento ciliar é anárquico.17 Em uma coorte de asma, uma proporção mais alta de MUC5AC para MUC5B correlacionou-se com inflamação Tipo 2.18

Desde a década de 1880, os tampões mucosos têm sido apontados como um fator contribuinte para óbitos em indivíduos asmáticos, sendo observados de forma recorrente ao longo do tempo.19-22 Isso ocorre devido à maior expressão da mucina MUC5AC que é capaz de contribuir efetivamente para a tenacidade patogênica do muco.23

Na asma, as glândulas mucosas são encontradas em toda a árvore brônquica, presentes inclusive nos bronquíolos periféricos, onde normalmente estão ausentes. As glândulas mucosas nos brônquios segmentares de pacientes com asma estão consideravelmente aumentadas, com volume duas vezes maior do que em normais. O aumento das células caliciformes pode ser obscurecido pela descamação epitelial.

Remodelamento Brônquico

As doenças inflamatórias agudas habitualmente se resolvem através de um processo de reparação, restaurando-se a estrutura normal e, em consequência, a sua função.

O epitélio brônquico na visão tradicional constituía-se somente em uma barreira física passiva aos agentes nocivos e ao ambiente externo, preservando o isolamento dos tecidos internos de possíveis ameaças externas. Hoje sabe-se que as células epiteliais são essenciais na manutenção da homeostase das vias aéreas, porém, ao mesmo tempo, podem iniciar e perpetuar a inflamação que pode resultar em sério dano às vias aéreas.

A inflamação persistente ou recorrente das vias aéreas após lesões repetidas por fatores ambientais (p. ex. alérgenos, vírus e fatores ambientais relacionados à poluição) pode desencadear modificações estruturais, como hiperplasia e metaplasia epiteliais, rutura epitelial, transformações nas células secretoras de muco, fibrose da matriz subepitelial, hiperplasia de células musculares lisas e angiogênese. Essas alterações patológicas nas vias aéreas têm o potencial de afetar a composição, distribuição, espessura, massa e/ou volume, assim como o número de componentes estruturais presentes nas paredes das vias aéreas. Em certos pacientes com asma, a resposta epitelial à injúria é falha, conduzindo a um longo, gradual e anormal processo de reparação, que resulta em alterações estruturais irreverssíveis, coletivamente chamadas de remodelamento brônquico.24-26 A incidência é maior em pacientes com asma severa, onde as alterações estruturais da parede brônquica são mais intensas, com liberação de citocinas pró-inflamatórias e múltiplos fatores de crescimento, levando a algumas alterações permanentes na morfologia da parede das vias aéreas, que determinam obstrução fixa.

Como a asma frequentemente se inicia na infância é possível que o processo de remodelamento das vias aéreas se inicie antes mesmo do surgimento dos sintomas.25 No entanto, se o remodelamento brônquico não for controlado, pode evoluir para limitação fixa ao fluxo aéreo, levando a declínio progressivo da função respiratória, cronificação da doença e aumento da morbimortalidade.27-31

O remodelamento brônquico caracteriza-se por um processo de fibrogênese, com espessamento da membrana basal, edema, proliferação e congestão vascular da submucosa e lâmina própria com aumento da permeabilidade capilar.  O remodelamento parece ser devido à persistência dos mecanismos crônicos de reparação, que determina várias alterações estruturais, com a combinação de aumento na ativação de fatores pró-fibrose de crescimento e desequilíbrio entre a síntese e a degradação de matriz extracelular (MEC). Em pacientes com asma, esta resposta é 'aberrante' devido a fatores contribuintes como inflamação crônica das vias aéreas e às anomalias epiteliais.32,33 A MEC é composta por um grupo variado de proteínas e glicoproteínas, compreendendo fibronectina, glicosaminoglicanos, proteoglicanos, tenasceína, colágeno etc.34 O acúmulo aberrante de MEC pode, entretanto, levar a alterações na estrutura e função dos tecidos que contribuem para o remodelamento das vias aéreas.

O aumento da deposição de proteínas da MEC na região da membrana basal reticular, lâmina própria e submucosa é uma característica das vias aéreas asmáticas e contribui para o espessamento da parede das vias aéreas e a obstrução do fluxo aéreo. Os fibroblastos são os principais produtores de MEC. Nas vias aéreas de pacientes com asma, observa-se uma ativação significativa dos fibroblastos, resultando na produção exacerbada de matriz extracelular.35-37 A fibrose subepitelial nas vias aéreas asmáticas ocorre mais especificamente na lamina reticularis, logo abaixo da membrana basal, onde se acumulam proteínas da MEC, como colágenos intersticiais, fibronectina, tenascina e proteoglicanos.38

O epitélio medeia processos inflamatórios complexos em resposta à exposição a alérgenos ou gatilhos não alérgicos como fumaça de tabaco, poluição do ar, incluindo a liberação de um trio de citocinas epiteliais, conhecidas como "alarminas".39 As alarminas IL-25, IL-33 e linfopoetina estromal tímica (TSLP) estimulam respostas inflamatórias por meio de inúmeras vias, incluindo endotipo Tipo 2 (IL-4, IL-13 e IL-5) e outros, como vias conduzidas por TH1 – ou TH17 – (IL-17), resultando em vários desdobramentos fisiopatológicos que podem levar a sintomas de asma e exacerbações.39,40 A lesão epitelial desencadeia a liberação de diferentes citocinas, quimiocinas e peptídios antimicrobianos, os quais recrutam e ativam tanto células imunes inatas quanto adaptativas, desempenhando um papel essencial na mediação das respostas imunes e antivirais necessárias, seguidas pelo processo de reparo do epitélio.

As citocinas epiteliais TSLP, IL-33 e IL-25 são as primeiras a responder a estímulos externos.41,42 Elas desempenham um papel importante e diversificado na remodelação das vias aéreas, influenciando fibroblastos pulmonares e células musculares lisas, conforme demonstrado em estudos in vitro:

TSLP, IL-33 e IL-25 estimulam a expressão de colágeno pelos fibroblastos pulmonares;43-48
A IL-25 favorece a proliferação dos fibroblastos pulmonares;49
A TSLP promove a migração das células musculares lisas,50 enquanto a IL-33 contribui para a reparação dessas células. 51

Além disso, estudos evidenciam que as células epiteliais presentes nessas vias aéreas desempenham um papel ativo ao estimular os fibroblastos pulmonares não estimulados a sintetizar além de colágeno, fibronectina e o mediador pró-fibrótico, fator transformante de crescimento ß (TGF-ß),29 um inibidor conhecido da proliferação epitelial,52 e cujo nível está marcadamente aumentado nas vias aéreas de pacientes com asma.53

Outra anormalidade estrutural caracteriza-se pelo aumento do número de miofibroblastos cuja magnitude se correlaciona com a espessura subepitelial – lamina reticularis.5,54 Como os miofibroblastos representam uma fonte bem conhecida de colágeno intersticial, é plausível atribuir-lhes  responsabilidade como fonte de fibrose subepitelial. Além disso, observa-se um aumento nos fibrócitos na asma, os quais têm a capacidade de diferenciar-se em miofibroblastos, contribuindo para o desenvolvimento da fibrose subepitelial.55 Nas vias aéreas asmáticas, o número de miofibroblastos presentes correlaciona-se com a quantidade de colágeno e tenascina detectada na região subepitelial.56 Quando  ativados produzem vários fatores de crescimento e citocinas que promovem a fibrose, a proliferação de músculo liso nas vias aéreas, o aumento da permeabilidade da microcirculação e o aumento da rede neural.

Historicamente vista como uma célula cuja função principal é a de célula contrátil, as células musculares lisas das vias respiratórias desempenham um papel significativo na promoção da inflamação e remodelamento. Isso ocorre por meio da geração de mediadores lipídicos, citocinas,57 quimiocinas,58 fatores de crescimento,57 metaloproteinases da matriz (MMPs)59 e fatores pró-angiogênicos.60

O aumento da massa de músculo liso de vias aéreas de pacientes asmáticos parece se processar tanto pelo aumento do tamanho dos miócitos (hipertrofia) quanto pelo aumento do número de miócitos (hiperplasia).61 Esses processos, por sua vez, mostram associação com a extensão e a intensidade da doença.62

Pacientes com asma apresentam brônquios com angiogênese exacerbada, mais vasos e maior percentual de área vascular do que em não asmáticos, e esta remodelação vascular contribui para o estreitamento das vias aéreas. Os com asma severa apresentam um número significativamente maior de vasos do que portadores de asma leve ou moderada. Os capilares e vênulas apresentam edema de suas paredes e espessamento da membrana basal subendotelial. Nas arteríolas evidenciam-se miócitos hipotróficos ou atróficos, além de fibroialinose de parede.63 A rede é muito rica na lâmina própria porém restrita entre as fibras musculares lisas onde ocorre menor infiltração inflamatória.

Na asma severa a neovascularização da mucosa tem atuação importante no remodelamento brônquico, estando associada à intensa expressão tanto de selectinas endoteliais e moléculas de adesão pertencentes à superclasse das imunoglobulinas. De particular importância é a molécula de adesão celular vascular-1 (VCAM-1) que está sob regulação do fator de necrose tumoral-a (TNF-a), IL-4 e IL-13. Através de sua interação com a ß2-integrina antígeno-4 muito tardio (VLA-4), o VCAM-1 torna-se o grande responsável pelo recrutamento seletivo para as vias aéreas de eosinófilos, basófilos e linfócitos T. Na asma crônica o número de microvasos na submucosa está aumentado como consequência da maior secreção de fatores de crescimento vascular, incluindo o óxido nítrico (NO), o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e a endotelina-1 (ET-1)64 que é expressa pelo epitélio brônquico em pacientes com asma, o que não ocorre em indivíduos não asmáticos.

A evolução para fibrose subepitelial pode ser um dos fatores que contribui para a obstrução irreversível das pequenas vias aéreas e persistência da hiper-responsividade mesmo após tratamento com corticoide. O grau de deposição subepitelial de colágeno em decorrência da proliferação de miofibroblastos e consequente secreção de colágeno, está relacionado à expressão das citocinas TGF-ß1 e ß2, fator de crescimento dos fibroblastos (FGF), fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1), fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF-BB), ET-1 e IL-4.65 Os miofibroblastos são também fonte de citocinas pró-inflamatórias, incluindo o fator de célula tronco (SCF) necessário para o crescimento maturação e sobrevivência do mastócito e o fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF), um potente inibidor da apoptose dos eosinófilos. Os miofibroblastos são altamente eficientes na manutenção da sobrevivência dos mastócitos e eosinófilos, ambos pela secreção de produtos solúveis e através do contato célula-célula.66 O preciso papel do TGF-ß nas vias aéreas de asmáticos ainda está por ser melhor determinado, não havendo dúvidas, entretanto, na sua participação no desenvolvimento da fibrose subepitelial, onde uma relação direta entre TGF-ß1 mRNA67 e a espessura da fibrose subepitelial tem sido relatada.53

O TGF-ß descoberto há mais de 40 anos é uma citocina e um agente fibrogênico. O TGF-ß são pequenas proteínas de 25 kDa na sua forma biologicamente ativa, que contêm duas cadeias polipeptídicas idênticas capazes de atravessar os compartimentos basais por meio das junções celulares.68-70 Existem três isoformas de TGF-ß encontradas em humanos TGF-ß1, ß2, ß3. Embora o papel do TGF-ß1 no remodelamento das vias aéreas e em outras condições patológicas tenha sido extensivamente estudado, observou-se que o nível de TGF-ß2 é maior do que o de TGF-ß1 tanto em vias aéreas asmáticas quanto normais.71,72

Eosinófilos são os principais secretores de TGF-ß, porém outras células principalmente epiteliais, fibroblastos, macrófagos, linfócitos e mastócitos também contribuem para a sua secreção.68,73,74 Além disso, citocinas como IL-5, IL-13 e até mesmo o próprio TGF-ß podem induzir à produção e liberação de TGF-ß por essas células.69,70,74,75 Por outro lado, citocinas como o interferon-gama (IFN-γ) têm a capacidade de inibir a produção de TGF-ß ao direcionar a sinalização envolvendo os homólogos Sma e Mad (Smad).76

Este fator de crescimento é um potente agente pró-fibrose, que estimula os fibroblastos a promover a síntese e secreção de várias proteínas da matriz extracelular (MEC) incluindo colágeno I, colágeno III, fibronectina, vitronectina, tenascina e proteoglicanos.77-80 Reduz a síntese de enzimas que degradam a MEC como as MMPs e aumenta a síntese de inibidores destas enzimas como o inibidor tecidual de metaloproteinase-1 (TIMP-1). O TGF-ß é capaz de transformar fibroblastos em miofibroblastos, sendo que os miofibroblastos apresentam maior atividade  na síntese de colágeno do que os próprios  fibroblastos.81

O TGF-ß também promove a síntese e liberação do VEGF e do inibidor do ativador do plasminogênio (PAI-1), contribuindo assim para o processo de remodelação vascular nas vias aéreas afetadas pela asma.82

Pesquisas revelaram uma família de segundos mensageiros/fatores de transcrição, chamada Smads, que são ativados pelo TGF-ß e que são indispensáveis para a maioria de suas atividades pró-fibróticas.83 Os smads estão também relacionados a outros sinais intracelulares dos sistemas de transdução. O produto final da ação do TGF-ß é a acumulação de tecido conjuntivo, síntese e progressão da fibrose.

Na Tabela 1 são apresentadas as principais ações conhecidas pró-fibróticas do TGF-ß que desempenha importante papel na indução da fibrose subepitelial das vias aéreas na remodelação da asma.

Tabela 1 – Atividades Pró-Fibróticas do TGF-ß

ATIVIDADES PRÓ-FIBRÓTICAS DO TGF-ß
• Estimulação da síntese de colágeno
• Estimulação de inibidores de enzimas proteolíticas (TIMP, PAI-1)
• Estimulação da síntese de proteoglicanos
• Estimulação da síntese de CTGF
• Síntese e liberação do VEGF
• Estimulação da transdiferenciação dos miofibroblastos
• Estimulação da síntese da MEC
• Repressão da síntese do IFN-γ
• Repressão da síntese de enzimas proteolíticas
• Inibição da apoptose de células epiteliais
• Proliferação de fibroblastos e miofibroblastos
• Proliferação de células caliciformes
• Proliferação de célula do músculo liso da via aérea
• Aumento da sobrevivência dos fibroblastos
• Aumento da secreção de muco
TGF-ß - Fator Transformante de Crescimento-ß; TIMP - Inibidor Tecidual de Metaloproteinase; CTGF - Fator de Crescimento do Tecido Conjuntivo; PAI-1 - Inibidor do Ativador do Plasminogênio-1; IFN-γ - Interferon gama; VEGF - Fator de Crescimento Endotelial Vascular; MEC - Matriz Extracelular.

O fator de crescimento epidérmico (EGF) e o seu receptor EGFR  também atuam no remodelamento e reparação das vias aéreas. O EGF é expresso em altos níveis pelas células epiteliais, células endoteliais, macrófagos e plaquetas. Participam no processo de reparação, na reepitelização das lesões e no aumento na síntese de proteínas como a fibronectina, importante glicoproteína no mecanismo de reparação das lesões epiteliais. O EGF pode atuar como um fator angiogênico pelo estímulo de síntese de DNA de células endoteliais, assim como sua migração e proliferação. A expressão tanto da EGF como do  EGFR encontra-se aumentada nas vias aéreas de pacientes com asma,53,84 sendo que o EGFR apresenta expressão elevada tanto em áreas de epitélio íntegro como danificado.

O aumento da expressão epitelial do EGFR na asma nem sempre é proporcional à necessária proliferação de células epiteliais para substituir aquelas do epitélio colunar danificado. A insuficiência na proliferação celular com consequências na reparação pode estar relacionada à exacerbada expressão na asma,  pelas células  epiteliais, de um regulador negativo de sua proliferação, denominado p21waf. O p21waf é um inibidor da quinase dependente de ciclina (CDK) que regula a progressão do ciclo celular da fase G1 para a fase S e de G2 em mitose.

O  p21waf é um regulador negativo das ciclinas de G1 e pode ser induzido no epitélio por estresse, injúria e pelo TGF-ß. Desde que o p21waf tem exacerbada expressão no epitélio brônquico de pacientes com asma grave, acredita-se ser um dos  responsáveis pela falta de resposta proliferativa epitelial. Essa condição pode desencadear respostas de reparo anômalas, as quais desempenham um papel na promoção da inflamação e remodelação das vias respiratórias.85

Existem poucos estudos sobre a inervação das vias aéreas sob processo de remodelamento. Embora na asma leve o número de nervos sensoriais nas vias aéreas não se modifique, na asma crônica severa ocorre um aumento da inervação, resultante dos fatores de crescimento dos nervos, secretados pelo epitélio e células inflamatórias.86 As fibras-C contendo neuropeptídeos tais como a substância P, a neurocinina A e o peptídeo relacionado ao dene da calcitonina (CGRP) contribuem para alterar a homeostase local vascular e muscular lisa na asma. A perda de nervos contendo o peptídeo vasoativo intestinal (VIP)87,88 tem sido relatada, ocorrendo, entretanto, aumento de fibras contendo substância P (SP). O VIP é um potente broncodilatador enquanto que a SP é broncoconstritora. Estes achados não se repetem, entretanto, na asma leve.89 Ollerenshaw et al. demonstraram ausência de nervos imunorreativos ao VIP (que produz broncodilatação) nas vias aéreas periféricas de pacientes com asma.88

A musculatura lisa que envolve as grandes vias aéreas, incluindo a traqueia, e na periferia os bronquíolos respiratórios e ductos alveolares, encontra-se hiperplasiada e hipertrofiada.53 Seu volume alcança até três vezes o valor de controles não asmáticos. O aumento da massa muscular pode refletir:90 a) uma proliferação muscular induzida por mediadores inflamatórios (fatores de crescimento); b) hipertrofia por repetidos ataques de broncospasmo; c) controle inibitório muscular reduzido resultando em atividade miogênica aumentada.91 

Uma nova explicação propõe um mecanismo para o aumento da massa de músculo liso através da desdiferenciação de feixes musculares existentes. Células que têm características ultraestruturais tanto do fenótipo contrátil como do fenótipo  secretório têm sido encontradas em grande número na fase tardia da provocação alérgica. Acredita-se que repetidas exposições aos alérgenos possa contribuir para o aumento da massa muscular brônquica pelo processo de diferenciação do músculo existente e sua migração para uma localização subepitelial, onde um novo músculo é formado.92 O mecanismo seria semelhante àquele que se desenvolve no processo da aterosclerose, onde ocorre uma desdiferenciação do músculo liso vascular e migração para formar uma neoíntima.

Duas células que apresentam participação fisiopatológica relevante nas respostas inflamatórias da remodelação brônquica serão abordadas de forma sumária: mastócitos e macrófagos. Os mastócitos pulmonares podem contribuir significativamente para a indução imunológica do remodelamento na asma liberando mediadores lipídicos e uma série de citocinas, além de interferir na angiogênese93-96 e podem causar mudanças estruturais via produção de laminina, colágeno IV e ativação de fibroblastos. Os macrófagos desempenham um importante papel na modulação das respostas inflamatórias nas vias aéreas, atuando por meio da fagocitose, secreção de citocinas, liberação de fatores angiogênicos e regulação do reparo tecidual pulmonar.97,98 Quando ativados pelo TGF-ß, os macrófagos alveolares liberam MMPs, que promovem alterações na MEC e na arquitetura das vias aéreas.27,99

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