Asma
EPIDEMIOLOGIA
Apesar de ser uma condição muito comum, afetando entre 5% e 10% da população, o diagnóstico de asma em adultos continua sendo um desafio no mundo real, resultando tanto em casos de sobrediagnóstico quanto de subdiagnóstico.1 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a asma em 2019 acometia cerca de 262 milhões de pessoas,2,3 sendo que 70% também são alérgicas, sendo que 60% são crianças.
Na segunda metade do século XX, no ocidente, a asma foi a única doença crônica tratável que aumentou em prevalência (Figura 1) e em número de internações. Este aumento ocorreu em todas as classes sociais, embora mais recentemente, nos últimos anos a prevalência da asma tenha alcançado um plateau ou mesmo sofrido redução em algumas áreas. A prevalência ainda se eleva em algumas populações e permanece alta em países em desenvolvimento. Em geral, os países de baixa renda registaram uma pequena diminuição atual da prevalência dos sintomas da asma, mas países com economias de baixa ou média renda observaram uma elevação. Muito menos se sabe sobre a prevalência de sintomas de asma, especificamente, em adultos. Isso reflete tanto a escassez de dados de pesquisas quanto a maior dificuldade em distinguir a asma de outras condições respiratórias, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em faixas etárias mais avançadas. Não há comparações padronizadas internacionalmente da prevalência de sintomas de asma em idosos ainda disponíveis.4
Na Figura 2 a prevalência de sintomas de asma em adolescentes de 13 a 14 anos que pouco se alterou ao londo do tempo. Segundo o informe da GINA – Global Initiative for Asthma, "embora alguns países tenham sofrido um declínio nas hospitalizações e mortes por asma, a asma ainda impõe um ônus inaceitável para os sistemas de saúde e para a sociedade, devido à perda de produtividade no local de trabalho e, especialmente pela asma pediátrica, que desestrutura as famílias".5
Em 2021 nos EUA, dados do NCHS (National Center for Health Statistics E-Stats) – Division of Data Services do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimavam em 24,9 milhões o número de pacientes com asma (20,3 milhões de adultos e 4,6 milhões de crianças (< 18 anos ) e a prevalência em 7,7%.
A asma tem aumentado desde o início dos anos 80 em todas as faixas etárias e sexo, mas de forma dramática entre diferentes grupos étnicos.6
A genética apresenta um papel importante na expressão da asma. O risco de desenvolver asma na infância está relacionado à presença da doença nos pais. Se um dos pais sofre de asma, o risco de a criança desenvolver asma é de 25%. Se ambos os pais são asmáticos esta taxa pode alcançar 50% (Figura 3).7 Também, crianças com um pai e um avô parental com asma apresentam magnitude comparável de risco àquelas que apresentam ambos os pais diagnosticados com asma.8 Além disso, estudos com os gêmeos, encontraram taxas de concordância para asma que variam de 4,8 a 33% para gêmeos dizigóticos e de 12 a 89% para gêmeos monozigóticos.
Cerca de 50% dos casos iniciam-se antes da idade de dez anos.9 Nas crianças há predomínio do sexo masculino, variando entre 3:2 a 2:1. Esta supremacia está relacionada à possível maior produção de IgE e ao maior tônus das vias aéreas, que também são mais estreitas nos meninos. O índice passa a 1:1 entre os 10 e 12 anos, quando a relação diâmetro/comprimento passa a ser a mesma para ambos os sexos e quando ocorrem mudanças no tamanho do tórax em meninos, o que não acontece com as meninas. Entretanto, na idade adulta passa a ocorrer predomínio do sexo feminino. Cerca de 25% dos casos se inicia após a idade dos 40 anos, quando passa a predominar o sexo feminino.
A melhora da asma em adolescentes pode ser explicada pelo aumento do calibre das vias aéreas e o aumento dos níveis de androgênios,10,11 que beneficiam a função pulmonar. No entanto, fatores como disanapsia nas mulheres12 e comportamentos típicos da adolescência, como tabagismo e fraca adesão ao tratamento, podem agravar a condição. Estudos sugerem que níveis mais altos de androgênios circulantes estão associados a melhores escores de função pulmonar e sintomas de asma.13 Dados sugerem que
tanto jovens quanto velhos, com evidências fenotípicas de deficiências de receptor de androgênios (AR) têm risco aumentado de asma.14 A Figura 4 mostra as diferenças, em detalhes, por sexo nos EUA, ao longo da vida, entre o sexo masculino e feminino entre 1-85 anos.15
Figura 4 —
Prevalência para a asma entre os sexos masculino e feminino para as idades de 1-85 anos nos EUA, média anual 2001-2009. CDC/NCHS — GINA. |
Vários estudos sobre prevalência demonstram preponderância na infância (aproximadamente 8 a 10% da população) com um declínio nos adultos jovens (5 a 6%), ocorrendo uma segunda elevação no grupo maior de 60 anos de idade, alcançando a faixa de 7 a 9% da população.16-18
Em muitos pacientes, principalmente naqueles em que a doença iniciou-se antes dos 16 anos, pode ocorrer regressão espontânea, não mais havendo crises de broncospasmo. Em um terço a asma persistirá na idade adulta. Alguns fatores para a persistência da doença são:
● Sexo feminino |
● Início da doença aos ≥ 2 anos de idade |
● Pico de Fluxo Expiratório constantemente baixo na infância |
● Pais com asma |
● Contínua exposição a alérgenos |
● Hstória de eczema e rinite |
Nos EUA a prevalência da asma avançou desde o início da década de 1980 para todas as idades, sexos e grupos raciais. Análise de dados do CDC de 1980 a 1993, indica que a taxa anual por asma entre 0 e 24 anos aumentou 118% e a taxa de hospitalização 28%. Em 2002 a prevalência era maior nas crianças (0–17 anos) do que em adultos (≥ 18 anos), com preponderância em hispânicos. Na população geral, a prevalência era maior no sexo feminino (40% maior), enquanto que na infância ocorria supremacia do sexo masculino. O maior crescimento na prevalência da asma ocorreu de 1980 a 1996, quando cresceu de 3,5% a 5,5%.
Entre 1997 e 2000, uma reformulação nas questões do NHIS causou uma ruptura nos dados de tendências, pois as novas perguntas não eram completamente comparáveis às anteriores. A partir de 2001, foi introduzida a prevalência atual de asma, medida pela pergunta "Ainda tem asma?" para aqueles com diagnóstico de asma, visando identificar todas as pessoas com a doença. As estimativas atuais de prevalência da asma, a partir de 2001, são estimativas de prevalência pontual (dos 12 meses anteriores) e, portanto, não são diretamente comparáveis às estimativas de prevalência do período de 1980 a 1996.
Desde então (primeira avaliação 2001) as taxas se mantêm estáveis (~7,4%), porém recentemente começaram a apresentar pequenos incrementos anuais de 2001 a 2009. O aumento na prevalência de 2001 a 200915 foi de 1,2% (Figura 5). A maior elevação nas taxas de asma nos EUA entre 2001 e 2009 ocorreu entre as crianças negras com incremento de quase 50%.19 A prevalência atual da asma aumentou de 7,4% em 2001 para 7,7% em 2021.6
No Reino Unido, 5,4 milhões de pessoas (1 em 11) estão atualmente recebendo tratamento para asma: 1,1 milhão de crianças (8,68% da população) e 4,3 milhões de adultos (9,55% da população).20 O Reino Unido tem uma das maiores taxas de prevalência de sintomas de asma em crianças em todo o mundo.
Segundo o DATASUS do Ministério da Saúde do Brasil, o número de internações cai em números absolutos. Em 2009 ocorreram 160.000 internações por asma, constituindo-se na quarta causa de hospitalizações pelo Sistema Único de Saúde considerando-se todos os grupos etários.21 No ano de 2013 foram 120.000 internações.22 De acordo com dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), em 2014 aconteceram 105 mil internações devidas à doença.
Além dos fatores genéticos a asma sofre influências
ambientais, que são múltiplas, e não são idênticas para todas as populações. A influência do ambiente fica evidente na “urbanização” das crianças africanas Xhosa do Transkei, na África do Sul. Quando estas migram do campo para a periferia da Cidade do Cabo, a prevalência aumenta de 0,15 para 3,2%.23
A taxa de asma aumenta quando as comunidades passam a adotar um estilo de vida ocidentalizado e se tornam urbanizadas. Com o aumento projetado da proporção da população mundial urbana ocorrerá aumento substancial do número de pacientes com asma no mundo nas próximas décadas. Estima-se que 64% da população latino-americana já residam em áreas urbanas, proporção semelhante à da Europa (73%) e América do Norte (75%).24 Acredita-se que haverá um incremento em mais de 100 milhões em 2025.25
Vários estudos demonstram uma associação entre alta morbidade/mortalidade e áreas geográficas de baixo perfil socioeconômico.26 Áreas de pobreza tendem a apresentar grande densidade populacional com um número maior de habitantes por domicílio, e elevada concentração de habitações por prédio, havendo intensa exposição aos alérgenos da barata, de gatos e de fungos (mofo). A asma é mais frequente e severa na população pobre, em todos os grupos etários analisados, sendo a mortalidade mais elevada nesta camada da população. Em consequência, a admissão hospitalar também é maior para as pessoas de condição social inferior.27-29
A asma ocorre em todas as raças e em todas as condições ambientais, não existindo grandes diferenças na prevalência entre as etnias. As exceções são o povo Maoris, tribo da Nova Zelândia descendente dos Polinésios, cuja prevalência e mortalidade estão acima da média, e os Aborígines Australianos, com menor prevalência e mortalidade.30 Existem, entretanto, certas diferenças étnicas localizadas como nos EUA onde a
asma é mais comum entre pessoas negras não-hispânicas (NH) em comparação com pessoas brancas NH e pessoas hispânicas.6
A prevalência da atopia em pacientes com asma varia de 23 a 80%, dependendo da idade da população e como a atopia é definida.31 Levando-se em consideração a relação entre hiper-responsividade brônquica e IgE sérica, virtualmente todos os pacientes com asma têm um componente atópico.32 No estudo de Tucson, crianças com testes cutâneos negativos apresentavam prevalência para sibilos/asma de 2%, enquanto que em crianças com testes positivos a prevalência atingiu 14%, demonstrando a importante participação da alergia na asma.33
Desde que os corticoides inalatórios (CIs) se constituíram na base do tratamento na década de 1990, melhorando significativamente o controle da asma, ocorreu significativa redução no número de visitas ao pronto socorro relacionadas à asma e a mortes por asma. De 1990 a 2015, a taxa de mortalidade ajustada por idade diminuiu 58,8% em todo o mundo,34 e de 2010 a 2019, a taxa de mortalidade por 100.000 habitantes diminuiu 17,4%.35
A asma é uma causa rara de mortalidade, representando <1,8% da mortalidade global total e é a determinante de aproximadamente 1.000 mortes por dia em todo o mundo.36
Informações do CDC dos EUA (Figura 6) de 2021 informam uma redução na taxa de mortes por asma de 15.0 por milhão em 2001 para 10.6 por milhão em 2021, entretanto, em 2020 as mortes por asma aumetaram pela primeira vez em vinte anos. Nos Estados Unidos os adultos têm seis vezes mais probabilidade de morrer por asma do que as crianças. As mulheres adultas têm maior probabilidade de morrer de asma do que os homens adultos, enquanto os meninos têm maior probabilidade de morrer de asma do que as meninas.6
No Brasil ocorrem anualmente, em média, 2.050 óbitos por asma e o coeficiente global de mortalidade no período 1980 a 1991 decresceu de 1,93 mortes por 100.000 habitantes para 1,16 por 100.000. A partir de 1992, a tendência tem sido de elevação, partindo de 1,36 e chegando a 1,58 por 100.000 em 1995. Em 1996, caiu para 1,36 por 100.000. Dados mais recentes do DATASUS, de 2013, contabilizam 2.047 mortes por asma no Brasil.22 A doença é a terceira causa de morte em crianças e adultos jovens no Brasil. No período de 1998 a 2007, a taxa média de mortalidade no país foi de 1,52/100.000 habitantes (0,85–1,72/100.000).37
Em 2020 (dados mais recentes disponíveis) 1.481 pessoas morreram de asma no Reino Unido,20 sendo que em 2021 ocorreram 3.517 óbitos nos EUA.6 Na Nova Zelândia
são 98 mortes por asma por ano, ou seja, quase duas por semana.38
O impacto socioeconômico da asma é muito importante, sendo a asma uma das doenças que mais consome recursos em países desenvolvidos. Em termos mundiais, os custos com a asma superam aos da tuberculose e HIV/AIDS somados.39,40
A maioria dos estudos sobre os custos da asma provém de países desenvolvidos. Um artigo de
Nurmagambetov
et al., com base em amostra agrupada de 2008–2013, estimou em cifras superiores a mais de US$ 82 bilhões o custo total anual da asma nos Estados Unidos em despesas médicas, incluindo os gastos diretos da assistência e os desembolsos indiretos, tais como
a falta ao trabalho e o absenteísmo escolar combinados.41
Acredita-se que o número de americanos com asma aumente 10% até 2039 em decorrência do aumento da urbanização e também pelas mudanças de estilo de vida e taxas de obesidade.42 Após análise utilizando modelo probabilístico, que viculou estimativas específicas do crescimento da população, envelhecimento, prevalência da asma e seus níveis de controle, estima-se que os custos de saúde da asma não controlada nos Estados Unidos totalizem US$ 300 bilhões nos próximos vinte anos.43 Este fato é agravado pois, 60% dos americanos com asma grave não estão atualmente recebendo tratamento adequado44 e cerca de 50% dos custos relacionados à asma estão associados à asma severa.45
O National Health Service (NHS) no Reino Unido gasta £ 1,1 bilhão por ano no tratamento de pacientes com asma.20 Do custo total do tratamento pelo menos £ 666 milhões são gastos em prescrição a cada ano. Outros gastos incluem £ 160 milhões em consultas, £ 143 milhões em licenças por perdas de dias de trabalho e invalidez e £ 137 milhões em internações hospitalares.
No Brasil, no período de 2008–2013, segundo análise de Cardoso et al. ocorreram cerca de ~1 milhão de internações por asma brônquica a um custo de US$ 170 milhões, com média de custo de US$ 160,48.22
Deve ser ressaltado que o índice de internações por asma no Brasil vem diminuindo progressivamente e de maneira significativa (62%) nos últimos anos,46 sendo que no período de 2008-2013 houve uma redução de 36% do número absoluto.22
Os custos diretos da asma (35–60%) incluem: programas educacionais e de saúde pública, gastos com pacientes ambulatoriais, hospitalizados, atendimentos em serviços de emergência e unidades mais especializadas (UTI), utilização de ambulâncias, honorários médicos, de enfermagem, fisioterapia e terapia ocupacional, gastos com medicamentos e testes alérgicos, despesas com equipamentos e exames laboratoriais, remuneração de tratamentos, de complicações a curto e longo prazos e investimentos em pesquisas.
Os custos indiretos (40-65%) incluem o absenteísmo escolar e profissional, a invalidez e a morte. Os custos mais difíceis de se avaliar são os relacionados à ansiedade, à má qualidade de vida, ao sofrimento e aos riscos futuros resultantes do absenteísmo escolar.
Outro fator indireto que merece consideração refere-se à não aderência do paciente ao tratamento, o que eleva ainda mais as despesas, determinando maior número de consultas médicas, visitas ao serviço de emergência e hospitalizações. De todos, o maior responsável pelos custos é o absenteísmo no trabalho.
Bahadori et al. publicaram uma revisão sistemática sobre os custos da asma, com a inclusão de 68 estudos.47 Nela, concluíram que a hospitalização e os medicamentos foram considerados o principal fator de custos diretos, enquanto o absenteísmo no trabalho e na escola representou a maior porcentagem dos custos indiretos. Os custos da asma estavam fortemente correlacionados com certas comorbidades, idade, gravidade da doença e alguns outros fatores. Verificou-se também que variava significativamente de acordo com a instituição hospitalar, localização e grau de instrução.
A maioria dos pacientes com asma se enquadra nos tipos leve e moderado, sendo que uma pequena parcela apresenta asma severa que, dependendo da definição adotada, oscila em 5–10%. Este menor percentual, entretanto, é o responsável pelos maiores custos do tratamento da asma. Por exemplo, no Canadá estima-se que estes 10% sejam os responsáveis por 51% dos gastos médicos diretos do tratamento e 54% dos custos totais desembolsados com a doença.48
Uma boa orientação é capaz de reduzir os custos, pois se o tratamento for efetivo ocorrerá queda nos custos diretos de hospitalização e admissão em serviços de emergência. Este grupo de pacientes, de maior risco, deve ser informado da natureza crônica da doença, deve ser capaz de identificar os fatores que pioram a sua asma, ser instruído a tomar corretamente os medicamentos prescritos, manuseando corretamente os dispositivos para inalação de anti-inflamatórios e broncodilatadores, compreendendo o porquê da necessária aderência ao tratamento profilático anti-inflamatório, e como e quando utilizar a medicação sintomática de alívio. Portanto, os pacientes de maior risco devem evitar os agentes que desencadeiam suas crises e saber monitorizar a sua doença através dos sintomas, ou utilizando medidores de PFE, reconhecendo o agravamento do quadro, atuando precocemente através de um plano (escrito) de autotratamento, previamente elaborado, e buscando cuidados médicos na ocasião apropriada.
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