Asma
Resposta Tardia da Asma
CÉLULA MUSCULAR LISA
A primeira descrição sobre o músculo liso brônquico foi apresentada no clássico trabalho de Reisseisen em 18041 e sua potencial contribuição para a asma foi considerada por Henry Hyde Salter em 1860 onde cita — "evidências de que a condição essencial na asma é o espasmo brônquico...em obediência a fontes de irritação aplicadas à sua superfície interna".2 O músculo liso brônquico está presente ao longo de toda a árvore respiratória, desde a traqueia até os bronquíolos. Participa na regulação do calibre (tônus basal nos brônquios) e na distribuição da ventilação através do ajuste da resistência ao fluxo aéreo local.3,4 Já está bem estabelecida a relação entre o aumento da área de músculo liso que envolve grandes e pequenas vias aéreas e a gravidade clínica5 e a duração da asma.6
A disponibilidade de células de músculo liso das vias aéreas de pacientes com asma, obtidas por biópsia, permitiu demonstrar que pelo menos em cultura, estas células apresentam uma taxa de multiplicação duas vezes maior do que as células musculares lisas provenientes de pulmões de indivíduos sem a doença.7 Se esta acelerada taxa de crescimento é a responsável pelo aumento da massa muscular brônquica na asma, não existe ainda a confirmação, mas o achado aponta para uma anormalidade intrínseca da célula muscular. Seria então, a célula muscular a desencadeadora da resposta asmática — a anormalidade básica que conduziria a todos os outros eventos?
Estudos atuais apóiam a concepção de que a proliferação do músculo liso faz parte da resposta crônica inflamatória assim como a sua contratilidade pode ser alterada em resposta à inflamação. Um estudo experimental de Bai et al.8 demonstrou um aumento da síntese de DNA no músculo liso das vias aéreas de porquinhos-da-índia sensibilizados com ovoalbumina, após provocação duas vezes por semana, por seis meses, quando comparado com animais-controles submetidos à provocação com solução salina.
O aumento na massa muscular das vias aéreas é atribuído ao fenótipo celular proliferativo, com aumento do número de miócitos, um achado patológico bem documentado em pacientes com asma crônica severa. Como consequência ocorre a hiperplasia e a hipertrofia, que contribuem para o exagerado estreitamento da luz brônquica.9-12 Esta obstrução pode ser resultado da frequente estimulação da musculatura lisa brônquica por agonistas contráteis, mediadores inflamatórios (ET-1, histamina), citocinas (IL-1b , TNF-a , IL-6) e fatores de crescimento (platelet-derived growth factor (PDGF), epidermal growth factor (EGF), insulin-like growth factor (IGF)) liberados durante o processo inflamatório crônico.13,14
A atividade contrátil das células musculares lisas não deve ser considerada como a única participação no processo de broncoconstrição do paciente asmático, pois estudos in vitro, com células de músculo liso brônquico em cultura, indicam uma possível participação destas, como células efetoras na perpetuação da inflamação através da expressão e secreção de citocinas e mediadores pró-inflamatórios. Acredita-se que as células musculares lisas possam exibir além de atividade de contração, síntese de mediadores (secreção) e outra proliferativa, sendo possível analisá-las separadamente in vitro.15
A inflamação aguda e crônica é orquestrada por citocinas de células inflamatórias recrutadas, miofibroblastos das vias aéreas e por miócitos.
Os miócitos das vias aéreas exibem plasticidade funcional em sua capacidade de contração, proliferação e síntese de proteínas da matriz e citocinas.16
Na fase secretora ocorre a elaboração de mediadores inflamatórios, incluindo-se as citocinas (IL-2, IL-5, IL-6, IL-8, IL-11, IL-12, LIF), particularmente as quimocinas (CXCL8, CXCL1, CCL3, CCL5, RANTES, eotaxina, MCP-1,-2 e -3, fator célula-tronco), podendo o músculo, por conseguinte, responder ao meio inflamatório não apenas pela contração muscular, porém também pela expressão de outras proteínas, que tornam o músculo um participante ativo da resposta inflamatória, como fonte importante de mediadores na asma. Em adição, tem sido demonstrado que as células musculares lisas de humanos liberam a citocina GM-CSF, que promove a ativação, proliferação e longevidade das células inflamatórias.17 Em contrapartida, tem sido demonstrado que estas mesmas células musculares lisas produzem fatores protetores, como, por exemplo, a PGE2 e o NO, que se opõem às citocinas pró-inflamatórias, sendo capazes de suprimir o processo inflamatório. As células musculares lisas humanas em cultura, sob condições inflamatórias, são capazes de expressar a COX-2 responsável pela produção de prostanoides.18 Os produtos da COX-2 podem limitar a ativação do GM-CSF nas células musculares lisas, sugerindo possível ação anti-inflamatória pela limitação do tempo de sobrevida das células inflamatórias no pulmão.19
Na fase proliferativa, sob estimulação de substâncias mitógenas secretadas por uma variedade de células, ocorre proliferação de miócitos, que induz a hiperplasia de células musculares lisas. Além da estimulação direta da proliferação dos miócitos, estes agentes mitógenos estimulam o crescimento celular de forma autócrina.11 Desta forma, a proliferação de células musculares lisas pode depender da elaboração pela própria célula de citocinas/mediadores proliferativos versus citocinas/mediadores “antiproliferativos”. O que ainda necessita ser determinado é se o estado proliferativo está também associado à fase secretora para certas citocinas e mediadores.15
Brightling et al.20 relataram aumento do número de mastócitos em fibras musculares lisas brônquicas de pacientes com asma. Este estudo, através de imunoistoquímica, comparou biópsias de músculo de pacientes com asma, com as de pacientes com bronquite eosinofílica e com as de controles normais. O número de mastócitos predominantemente do tipo inflamatório – triptase positivo – nas fibras musculares de asmáticos era em média de 5,1 por mm2 de músculo [variação 0 a 33], valor substancialmente maior do que naqueles com bronquite eosinofílica (mediana 0, mastócito por mm2[variação 0 a 4,8]) ou em normais (mediana 0, mastócito por mm2 [variação 0 a 6,4]); p < 0,001 para comparação entre os três grupos.
Supõe-se que a atração de mastócitos ocorra pela secreção do fator de célula-tronco pelo músculo.14 Talvez esta interação entre mastócitos e células musculares lisas possa ser o elemento-chave no desenvolvimento das alterações na função das vias aéreas na asma. Vários produtos dos mastócitos afetam de forma adversa o crescimento do músculo bem como a sua função. Esta microlocalização dos mastócitos nas fibras musculares provavelmente facilita esta interação.
O músculo liso das vias aéreas parece fornecer um microambiente ideal para a diferenciação, ativação e sobrevivência dos mastócitos.
O fator de célula-tronco é um quimiotáxico para os mastócitos, e é o responsável pela regulação de seu crescimento (fator de crescimento dos mastócitos), de sua função e de sua sobrevivência. Existe sob duas formas: ligado à membrana (expresso na superfície celular) e solúvel. O receptor para o fator célula-tronco, c-kit, é expresso na superfície dos mastócitos, criando a oportunidade para a interação entre os dois tipos de células. Se uma quantidade maior do fator célula-tronco é liberada pelo músculo de pacientes com asma, quando comparado aos sem a doença, permanece por ser investigado. É possível que o fator não seja prontamente metabolizado nas vias aéreas de pacientes com asma. Outra hipótese, postula a deficiência de um mediador que regule negativamente a liberação do fator célula-tronco.22
Roth et al.23 apresentaram nova proposição no que concerne ao aumento da capacidade proliferativa muscular lisa que ocorre na asma. Os autores expuseram de modo evidente dados que indicam que o déficit ou ausência na expressão do fator de transcrição CCAAT/enhancer binding protein a (C/EBPa) seria o responsável tanto pelo aumento da capacidade proliferativa da célula muscular lisa das vias aéreas, assim como pela incapacidade do corticoide em inibir a sua proliferação, e que esta incapacidade não seria decorrente somente da ausência ou de falhas no receptor de corticoide. Vários estudos demonstraram que o efeito antiproliferativo dos corticoides é mediado pelo receptor e pelo C/EBPa.24-26 Este déficit do fator de transcrição é específico da célula muscular lisa brônquica, pois, em fibroblastos localizados no pulmão humano e também no músculo liso brônquico e vascular pulmonar de pacientes sem asma, o tratamento com corticoides rapidamente induz a ativação dois receptores de corticoide e do C/EBPa e subsequentemente a expressão do gene p21Waf1/Cip1.
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Referências
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