Asma
TIPOS DE ASMA
ASMA VARIANTE COM TOSSE ou Variante Tussígena da Asma
A tosse geralmente não produtiva é quase que constante na asma em todos os grupos etários. A asma constitui-se na causa mais comum de tosse crônica em crianças de qualquer idade. A asma foi identificada como o segundo fator desencadeante mais significativo da tosse crônica na Europa e nos EUA.1 Pode ser a única manifestação da asma em mais de 57% dos casos,2 ocorrendo principalmente à noite ou durante a madrugada, durante o exercício ou quando a criança chora ou grita.
Na criança a tosse pode ser o sintoma mais precoce da doença, visto que a asma não é diagnosticada, às vezes por anos, especialmente se a obstrução brônquica nunca se manifesta de forma intensa o suficiente para gerar oscilações, decorrentes da aceleração e turbilhonamento do ar, nas paredes de brônquios pequenos e estreitados, o que produz manifestações acústicas como os roncos e sibilos, sinais preponderantes da doença.3,4
Os receptores da tosse nas vias aéreas estão situados tanto na mucosa brônquica como no músculo liso peribrônquico. São encontrados, entretanto, em menor quantidade na periferia, nas pequenas vias aéreas aonde se apresentam mais esparsos (Figura 1). Em decorrência da inflamação, quantidades aumentadas de mediadores localmente liberados aumentam a sensibilidade do receptor da tosse, podendo esta, ser a razão pela qual estes pacientes apresentem esta sintomatologia.
Apesar do crescimento contínuo nas publicações ao longo dos anos, os mecanismos específicos subjacentes ao desenvolvimento da asma variante com tosse permanecem obscuros.5
Supõem-se que a patogênese da tosse na asma envolva a estimulação de nervos sensibilizados das vias aéreas inferiores. Após a estimulação dos receptores da tosse, impulsos nervosos aferentes são conduzidos pelo vago e talvez por seus ramos (nervo de Arnold, da faringe, da laringe etc.) até o centro da tosse, na medula oblongata no cérebro. Impulsos originados dos receptores traqueobrônquicos são transmitidos pelos ramos pulmonares ipsilaterais do vago. Os impulsos eferentes do reflexo da tosse são transmitidos da medula para o diafragma através do nervo frênico, para os músculos expiratórios pelos nervos motores espinhais, para a laringe através dos ramos laríngeo recorrentes e para as vias aéreas pelo vago. O estímulo da tosse é diferente daquele da broncoconstrição,6 sendo que a tosse não é necessariamente dependente da broncoconstrição7 ou do grau de hiper-responsividade brônquica.8
Acredita-se que a tosse seja decorrente do aumento da resistência ao fluxo nas vias aéreas centrais, onde os receptores da tosse são mais abundantes, mais concentrados nas bifurcações onde também se encontram as aberturas dos ductos das glândulas brônquicas submucosas. McFadden9 descreveu dois grupos de pacientes asmáticos, o primeiro só com tosse e o outro com dispneia aos esforços. No grupo da tosse, a obstrução era principalmente em grandes vias aéreas, enquanto que no grupo cujo sintoma dominante era a dispneia ocorria obstrução em pequenas vias aéreas, onde os receptores de tosse são mais raros.
Quando a tosse crônica é a única manifestação da asma, esta recebe a denominação de "asma variante" ou "asma variante com tosse", uma forma particular de asma descrita inicialmente por Glauser10 em 1972 e cujo conceito foi introduzido e melhor definido em 1979 por Corrao et al.11 Os autores descreveram seis pacientes com tosse crônica e hiper-responsividade brônquica, porém sem obstrução ao fluxo aéreo, sem dispneia ou sibilos e sem história de asma no passado que, entretanto, respondiam à medicação antiasmática, com recorrência da doença, após a sua interrupção. Irwin et al. em dois estudos prospectivos sobre tosse crônica em adultos, detectaram a tosse como o único sintoma de asma em 28% e 57% respectivamente.12,13
Desde que nem tudo que sibila é asma,14 e desde que a presença de hiper-responsividade brônquica pode falsamente predizer que a asma é a causa da tosse, o diagnóstico de asma como causa da tosse requer: a) que a tosse responda ao tratamento específico para asma e b) que a evolução clínica subsequente do paciente seja compatível com asma. Isto significa que o diagnóstico de asma variante não pode ser efetuado, por exemplo, em um paciente que tenha apresentado um quadro infeccioso respiratório recente, no qual a tosse e a hiper-responsividade brônquica sejam transitórias e autolimitadas.
Posteriormente o termo "asma com predomínio de tosse" foi proposto por Pratter et al.,15 para qualificar a asma clássica em que a tosse não estava dissociada das outras formas de expressão da doença, como a dispneia e a obstrução ao fluxo aéreo, ocorrendo, entretanto, predomínio deste sintoma.
Todos os adultos e crianças com tosse crônica podem ser avaliados quanto à inflamação eosinofílica. A eosinofilia do escarro é talvez o indicador mais preciso, mas não está disponível rotineiramente, consome tempo e requer interpretação especializada.
A eosinofilia no sangue é uma medida simples e facilmente disponível.
Uma contagem de eosinófilos ≥ 300 células / µL pode ser utilizada para indicar inflamação eosinofílica das vias aéreas.16
A espirometria geralmente não apresenta anormalidades, sendo a única possível irregularidade nas provas de função respiratória a hiper-responsividade das vias aéreas, confirmada no teste de broncoprovocação.
Sobre o ponto de vista histopatológico Niimi et al.17 confirmaram a presença de inflamação eosinofílica na asma variante com tosse. Uma outra patologia descrita em adultos por Gibson et al.,18 a bronquite eosinofílica (BE), apresenta-se também com infiltrado inflamatório da submucosa das vias aéreas inferiores, com achados histopatológicos muito semelhantes aos da asma. Da mesma forma que a asma, a inflamação brônquica da BE está associada ao aumento da liberação de mediadores vasoativos e broncoconstritores.19 Embora a análise do escarro geralmente evidencie eosinófilos e células metacromáticas similares àquelas vistas na asma, esta condição clínica é diferente da asma porque não está associada à hiper-responsividade brônquica nem à variabilidade do PFE, apresentando-se com provas de função pulmonar normais. Ambas as doenças apresentam grau similar de eosinofilia da submucosa, espessamento da membrana basal e da lâmina reticularis. Entretanto, o número de mastócitos triptase positivos nas fibras musculares de pacientes com asma é substancialmente maior do que nas fibras de pacientes com bronquite eosinofílica.20 A BE é a causa de tosse crônica em mais de 13% dos casos.
Como a asma clássica e a asma variante com tosse, a bronquite eosinofílica responde aos corticoides veiculados por inalação e especialmente à corticoidoterapia sistêmica. A bronquite eosinofílica, entretanto, é resistente ao tratamento com broncodilatadores. O diagnóstico de bronquite eosinofílica pode ser descartado se no escarro induzido os eosinófilos constituam menos de 3% das células não escamosas, ou se a tosse não cessa com o tratamento empírico com os corticoides.
A tosse na bronquite eosinofílica é efetivamente controlada pelo tratamento com corticoide inalatório, mas pode seguir um curso crônico. Na Tabela 1 são apresentadas as principais características das três patologias responsivas aos corticoides e que se apresentam com forte componente de tosse crônica.
Tabela 1 – Características das Patologias com Forte Componente de Tosse Crônica
Diagnóstico |
Variabilidade PFE |
Hiper-responsividade |
Eosinofilia Escarro |
Asma Clássica |
Sim |
Sim |
Sim |
Asma Variante c/tosse |
Não |
Sim |
Sim |
Bronquiolite eosinofílica |
Não |
Não |
Sim |
Estudos longitudinais têm demonstrado que mais de um terço dos pacientes que apresentam a asma variante com tosse, posteriormente desenvolverão sibilância típica da asma clássica.19-25 Por outro lado, o desenvolvimento de sibilos ou hiper-responsividade brônquica é extremamente incomum na bronquite eosinofílica.26
Uma síndrome idêntica à asma variante com tosse ocorre em alguns pacientes com tosse decorrente de refluxo, presumivelmente, por aspiração de proteínas parcialmente digeridas do conteúdo gástrico, que causam reação TH2 nas vias aéreas, determinando inflamação e sintomas de asma.27 Nestes pacientes, a resposta aos corticoides por inalação pode ser virtualmente completa. Todavia, a história característica de tosse associada ao refluxo indica a origem da reação asmática. Nestes casos o tratamento com procinético antirrefluxo (refluxo não ácido) ou com inibidor de bomba de prótons (refluxo ácido) pode melhorar a hiper-responsividade brônquica, reduzindo os sintomas independentes de qualquer tratamento anti-inflamatório das vias aéreas.
O receptor de tosse mais relacionado à asma é o receptor de capsaicina TRPV1 (Transient receptor potential vanilloid) que é modulado pela via da lipoxigenase, e, por isso, os antagonistas do receptor de leucotrienos apresentam um papel importante no tratamento da tosse na asma.27
Referências
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04.Forgacs P. Lungs Sounds, Baililière, 1978.
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