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Asma

Resposta Tardia da Asma

NANC e TAQUICININAS

A denominação de NANC (sistema nervoso não adrenérgico não colinérgico) tem sido empregada para designar o conjunto de fibras do sistema nervoso autônomo em que os neurotransmissores da junção neuroefetora não são a noradrenalina ou a acetilcolina.1,2

O sistema nervoso NANC apresenta ações sobre o tônus broncomotor: a) inibitória não adrenérgica e não colinérgica (i-NANC) e b) excitativa ou estimulante3 não adrenérgica e não colinérgica (e-NANC).

O relaxamento i-NANC foi descrito pela primeira vez nas vias aéreas em 19764 e mantém-se como o único mecanismo broncodilatador mediado via neural no homem.5 O i-NANC abrange vários neurotransmissores como o peptídio intestinal vasoativo (VIP)6 e óxido nítrico (NO). Os receptores VIP são encontrados no músculo liso, células epiteliais e glândulas submucosas.6 Além da ação broncodilatadora, o VIP determina vasodilatação e apresenta funções imunomodulatórias.7,8 Ollerenshaw et al. demonstraram que o VIP está ausente do pulmão de pacientes com asma, porém é detectado em 92% de indivíduos sem asma.9

O e-NANC determina broncoconstrição mediada via neuropeptídios liberados através de fibras nervosas nociceptivas das vias aéreas.10

Uma vez que o epitélio brônquico tenha sido danificado em decorrência da inflamação, ocorre a exposição de terminações nervosas sensitivas, que podem ser estimuladas por substâncias inaladas e também por mediadores inflamatórios, como a bradicinina, o PAF e os leucotrienos, determinando a ativação retrógrada de potentes neuropeptídios, tais como a substância P (SP), a neurocinina A (NkA) e peptídeos relacionados ao gene-calcitonina (CGRP). Estas substâncias integram a família das taquicininas, grupo composto de peptídeos de baixo peso molecular que atuam como neurotransmissores excitatórios do sistema nervoso NANC.

As principais hipóteses para as disfunções do sistema NANC relacionadas com a asma podem ser assim resumidas: a) deficiência do i-NANC; b) inibição reversível ao nível dos gânglios ou terminações nervosas deste i-NANC; c) diminuição de afinidade dos receptores VIP; d) atuação de reflexos axonais peptidérgicos em resposta à estimulação inflamatória e e) aumento da sensibilidade da musculatura lisa brônquica aos neuropeptídicos broncoconstritores.

Neurocininas

A substância P foi primeiro descrita em 1931 como um fator presente no cérebro e intestinos, que estimulava o músculo liso e reduzia a pressão arterial. Sua designação deriva do fato de reter a sua atividade mesmo após a evaporação, quando se transforma em pó. Em 1951 a SP foi encontrada em elevadas concentrações nas raízes nervosas dorsais da medula espinhal, sugerindo estar envolvida na percepção da dor. Hoje sabemos que atua principalmente como neurotransmissor especialmente na transmissão de impulsos dolorosos de receptores periféricos até o SNC, agindo também no músculo liso, no endotélio, nas glândulas exócrinas e em células do sistema imunológico.

Após a caracterização da SP como um peptídeo de baixo peso molecular (cerca de 1.000 dáltons), composto por onze aminoácidos, dois outros peptídeos foram descritos em mamíferos com sequências terminais comuns Phe-X-Gly-Leu-Met-NH2, denominados de neurocininas A e B, cada um com dez aminoácidos11 (Tabela 1).

Tabela 1 Composição das Moléculas da Substância P e Neurocininas A e B

Peptídeos
Sequências de Aminoácidos
SP
Arg1–Pro2–Lys3–Pro4–Gln5–Gln6–Phe7–Phe8–Gly9–Leu10–Met11–NH2
NKA
His1–Lys2–Thr3–Asp4–Ser5–Phe6–Val7–Gly8–Leu9-Met10–NH2
NKB
Asp1–Met2–His3–Asp4–Phe5–Phe6–Val7–Gly8–Leu9–Met10–NH2

Provêm de um mesmo gene (gene preprotaquicinina-1) e se originam de um mesmo peptídio precursor, sendo que a maior fonte de taquicininas nas vias aéreas são as terminações nervosas de neurônios primários aferentes, encontradas no epitélio, ao redor de vasos sanguíneos e próximas do músculo liso.

A SP e as NKs determinam contração do músculo liso e existem evidências de que atuem como mediadores para a excitação muscular lisa  não colinérgica nervo-mediada.

As taquicininas sofrem rápida desintegração por ação de pelo menos duas enzimas: a) enzima conversora da angiotensina (ACE) e b) pela endopeptidase neutra (NEP). A ACE está localizada nas células do endotélio capilar, atuando sobre os peptídeos intravasculares. A NEP é a enzima responsável pela degradação das taquicininas nos tecidos, sendo encontrada principalmente ligada à membrana celular de células epiteliais, gerando peptídeos menores (SP-1-9, SP-1-7, SP-1-6, NkA-1-8 e NkA-1-5) que são desprovidos de efeito broncoconstritor.11

Nos pulmões a NEP é expressa principalmente no epitélio brônquico e próximo de glândulas mucosas e da musculatura lisa da parede brônquica. A atividade da NEP nas vias aéreas parece ser um fator importante na atuação das taquicininas. Qualquer fator que iniba esta enzima ou a sua expressão pode estar associado com a ativação endógena e exógena das taquicininas. Por outro lado, a degradação enzimática da SP e NkA é um mecanismo eficiente de inativação desses peptídeos. Como a expressão da NEP no epitélio brônquico é muito intensa, qualquer lesão no epitélio ou a sua downregulation, como ocorre no processo inflamatório da asma, potencializa o efeito broncoconstritor das taquicininas. Deve ser ressaltado que a NEP  não é específica para as taquicininas, participando também do metabolismo de outros peptídeos broncoativos, como as cininas e endotelinas.

As taquicininas têm várias ações relevantes na asma:

Promovem a contração da musculatura lisa peribrônquica,12,13 sendo mais significativa a resposta contrátil gerada pela NkA ao nível das pequenas vias aéreas do que nas proximais, ao contrário do que ocorre sob ação colinérgica, que tende a ser mais intensa nas grandes vias aéreas;

Determinam hipersecreção das glândulas da submucosa em vias aéreas de humanos in vitro14 e são potentes estimulantes para a secreção de células caliciformes em porquinhos-da-índia;15

Potencializam a neurotransmissão colinérgica nas terminações nervosas pós-ganglionares;16

Aumentam o fluxo sanguíneo das vias aéreas, causam vasodilatação e extravasamento plasmático;

Favorecem a quimiotaxia,  a ativação de células inflamatórias como macrófagos e monócitos, a proliferação de linfócitos T e células endoteliais e  ativam citocinas como a IL-6;17 em baixas concentrações aumentam a quimiotaxia para eosinófilos e determinam a sua degranulação;

Favorecem a proliferação celular do músculo liso,18 estimulam a angiogênese e a proliferação e quimiotaxia de fibroblastos humanos no pulmão, contribuindo para o processo de fibrose da asma crônica e contribuem para a hiper-responsividade das vias aéreas.

As taquicininas exercem seus efeitos biológicos através de receptores chamados de Nk1, Nk2 e Nk3. Nos pulmões são encontrados em maior densidade no músculo liso desde a traquéia até os bronquíolos, enquanto que a musculatura lisa vascular e células epiteliais apresentam uma concentração mais baixa.11 Estudos em animais de laboratório demonstram que a contração da musculatura lisa é mediada tanto por receptores NK1 como NK2;12,13 os efeitos pró-inflamatórios, a secreção glandular mucosa, a vasodilatação e o extravasamento microvascular são determinados pela estimulação via receptor NK1 (ativado preferencialmente pela SP) , enquanto que a facilitação para ativação colinérgica depende do receptor NK2 (ativado preferencialmente pela NkA).19 A expressão do receptor Nk3 (ativado preferencialmente pela NKB) não é encontrada nas vias aéreas, estando limitada ao sistema nervoso central.


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Referências

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