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Asma

Tratamento da Asma — Situações Específicas

TRATAMENTO DA ASMA NO IDOSO

A asma é subdiagnosticada no idoso,1-3 havendo além disso evidências de que estes pacientes recebem tratamento incorreto.4 A revisão nacional de óbitos por asma do Reino Unido de 2012-2013 analisou 195 mortes atribuídas à doença e constatou que 38% destes pacientes receberam quatro ou menos dispositivos com corticoide inalatório (CI) no ano anterior, indicando que o subtratamento foi um fator de considerável importância em suas mortes. Quanto às etapas da asma, quase metade destes pacientes foi classificada como asma “leve” ou “moderada”. Estes fatos demonstram que a asma não diagnosticada (subdiagnosticada) também não é tratada e é provável que resulte em pacientes com sintomas contínuos, e mesmo em um mundo desenvolvido o subtratamento do mesmo modo continua a ser um sério problema, podendo levar à morte.5,6

Os pacientes devem ser incentivados a parar de fumar e orientados a buscar acesso a programas de aconselhamento e cessação do tabagismo. Salientar que a descontinuação do tabagismo melhora a função pulmonar reduzindo a inflamação das vias aéreas, melhorando a resposta terapêutica aos corticoides inalatórios e broncodilatadores, facilitando o controle da doença, os sintomas e a qualidade de vida.7-12

O tratamento farmacológico da asma no idoso é semelhante ao efetuado nas outras faixas etárias. Alguns fatores podem interferir na terapêutica e merecem ser enfatizados:

∎ Alterações farmacocinéticas (clearance, distribuição, biodisponibilidade)13

∎ Utilização de outros medicamentos devido a comorbidades e automedicação, com maior risco de efeitos colaterais

∎ Reduzida aderência ao tratamento por distúrbios da memória, desatenção, menor perspicácia e motivação14,15

∎ Limitação física com menor mobilidade e menor destreza na utilização dos dispositivos de inalação

∎ Dificuldade na aquisição dos medicamentos em decorrência de problemas financeiros e da condição social

O objetivo do tratamento é a melhora da qualidade de vida, através de um constante monitoramento, buscando a cessação das crises de broncospasmo, redução nas internações hospitalares e visitas a serviços de emergência, a tolerância normal ao exercício com a manutenção dos níveis normais de atividade, provas de função respiratória e Pico de Fluxo Expiratório (PFE) normais, a redução e mesmo a interrupção do uso de broncodilatadores, a ausência de efeitos colaterais decorrentes do tratamento, a prevenção do desenvolvimento da limitação irreversível do fluxo aéreo e a prevenção da mortalidade da asma.

O paciente, seus familiares e os cuidadores devem ser informados da natureza crônica da doença, devem ser capazes de identificar os fatores que pioram a asma, serem instruídos a utilizar corretamente os medicamentos prescritos, manuseando corretamente os dispositivos para inalação de anti-inflamatórios e broncodilatadores, compreendendo o porquê da necessária aderência ao tratamento profilático anti-inflamatório, e como e quando utilizar a medicação sintomática de alívio.16,17 Levar em consideração que a polifarmacoterapia é um fator de risco significativo para reações adversas em idosos.18 Os estudos sobre os efeitos da perda de peso em pacientes com asma ainda são raros. Mostraram que a perda ponderal estava relacionada a um melhor controle clínico e otimização do tratamento anti-inflamatório.19,20

A vacinação em pacientes idosos pode elevar a resposta imunológica e prevenir morbidade. O Comitê de Práticas de Imunização recomenda que todos os adultos de ≥ 65 anos de idade recebam tanto as vacinas pneumocócicas conjugadas VPC13 ou VPC15, como a vacina pneumocócica polissacarídica 23 (VPP23) para prevenção de pneumonia. A vacinação anual contra o vírus Influenza deve ser estimulada. Em idosos, estima-se que a eficácia protetora da vacina na prevenção de doença respiratória aguda seja de cerca de 60%. No entanto, os reais benefícios da vacina estão na capacidade de prevenir a pneumonia viral primária ou bacteriana secundária, a hospitalização e a morte.21 Um terço dos casos de pneumonia se desenvolve a partir de doença respiratória, como gripes leves. Recentemente foi aprovada a primeira vacina para prevenção da infecção pelo vírus sincicial respiratório (VSR) causador da bronquiolite. Está indicada, em dose única, para imunização ativa para a prevenção da doença respiratória inferior, causada pelos subtipos VSR-A e VSR-B em adultos com 60 anos de idade.22

Apesar de as infecções por VSR em adultos muitas vezes se resolverem sem complicações, existe particular atenção para um segmento de alto risco em indivíduos idosos com várias condições crônicas, dentre elas a asma e a DPOC, quando a infecção pelo VSR pode desencadear exacerbações graves, resultando em insuficiência respiratória, hospitalização prolongada e até mesmo morte.23 O VSR foi reponsável por 11,4% das hospitalizações dos pacientes com DPOC e por 7,2% dos pacientes com asma, configurando um importante agente etiológico causador de descompensação destas doenças.24

Jain S. et al.25 avaliaram a incidência anual de pneumonia adquirida na comunidade nos Estados Unidos que evoluía para hospitalização, contabilizando cerca de 24,8 casos por 10.000 adultos (IC 95% – 23,5–26,1). A incidência geral e para cada patógeno aumentou com a progressão da idade. A incidência de Influenza e S. pneumoniae foi quase cinco vezes maior entre adultos com ≥ 65 anos do que entre adultos mais jovens, sendo o S. pneumoniae o responsável por aproximadamente 50% de todas as pneumonias bacterianas.

Na asma do paciente idoso, o fenótipo que predomina é o da inflamação neutrofílica das vias aéreas, que é menos propensa a responder ao tratamento com CI do que aquela com fenótipo eosinofílico, mais frequente em adultos mais jovens.26

Os CIs em doses moderadas geralmente não estão associados a efeitos colaterais sistêmicos na população idosa. Associações entre CIs e β2-agonistas de longa ação (LABAs), como formoterol, salmeterol, vilanterol, são a primeira escolha de tratamento se um CI de baixa dosagem for insuficiente.27 Os LABAs nunca devem ser usados em monoterapia regular para o tratamento da asma. Devem estar sempre em associação aos CIs. Esta associação apresenta interações sinérgicas.28-30 Os LABAs podem ter efeitos cardiotóxicos em pacientes com doença cardíaca. Os agentes anticolinérgicos de longa ação (LAMA) podem ser uma alternativa.

Na atualidade a preferência para alívio da asma segundo as recomendações da GINA, vigentes a partir de 2019, em qualquer etapa do tratamento da asma em que o paciente necessite de broncodilatador, é a associação de um CI e um LABA em baixa dose – p. ex. CI–formoterol em baixa dose. Outra opção para alívio seria o ß2-agonista de curta ação (SABA) conforme a necessidade.27

No entanto, os efeitos colaterais locais dos CIs não são incomuns e incluem a candidíase oral e a rouquidão. A falta de coordenação entre a ativação do dispositivo e a inalação do medicamento ativo pode aumentar a deposição oral e diminuir a deposição pulmonar. Fatores como a técnica de inalação do paciente e o pico de fluxo inspiratório, que são variavelmente prejudicados em pacientes idosos, podem aumentar a ocorrência de efeitos colaterais. Estes incluem hematomas, osteoporose e fraturas ósseas, catarata, glaucoma, diabetes e pneumonia. Esses efeitos também são dependentes da dose e geralmente podem ser atenuados com a adição de um espaçador ou a utilização de outro dispositivo inalatório.

Existem evidências de que certas funções do sistema nervoso simpático e parassimpático diminuem com o avançar da idade.31 Os broncodilatadores também são afetados por alterações relacionadas ao envelhecimento em suas propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas.32 Este declínio funcional do sistema nervoso autônomo explica a diminuição generalizada da função nervosa somática periférica que ocorre no envelhecimento. Os agonistas ß2-adrenérgicos, tanto os SAMAs como os LABAs, se ligam ao ß-receptor cuja resposta é diferente em pacientes idosos com asma devido ao aumento da atividade simpática, redução nas respostas da adenilciclase e redução no número e na afinidade de receptores ß-adrenérgicos que ocorrem com o envelhecimento.33 As respostas aos broncodilatadores β-adrenérgicos e aos agentes anticolinérgicos têm sido comparadas em asmáticos de diferentes faixas etárias, com resultados controversos. Existem evidências de que a resposta aos β-agonistas diminui com a idade,34-36 com duas possíveis explicações para a queda de sua responsividade: um progressivo declínio na função do β-receptor ou a redução no número dos receptores à medida que a idade avança. Ullah et al.34 constataram menor resposta broncodilatadora ao salbutamol no idoso do que em pacientes jovens. Teoricamente, pacientes mais idosos podem ter uma resposta reduzida aos broncodilatadores como resultado de alterações relacionadas à idade, como rigidez da parede torácica, redução da função muscular respiratória, aumento do volume residual e da perda de retrocesso elástico pulmonar.37,38 Outros autores, no entanto, não encontraram nenhuma diferença relacionada à idade, ao tempo e à eficácia da resposta broncodilatadora, nem na curva dose-resposta para o salbutamol inalado.39

Como já foi salientado, na população em geral, os ß2-agonistas são broncodilatadores superiores e têm um início de ação mais rápido do que a medicação anticolinérgica. No entanto, existe uma expressão / função reduzida dos receptores beta no pulmão relacionada ao envelhecimento. Já os receptores colinérgicos parecem funcionar independentemente do envelhecimento. Como consequência, há uma redução na resposta à terapia broncodilatadora ß-agonista associada ao envelhecimento que não foi observada com anticolinérgicos. Na verdade, alguns pacientes idosos respondem melhor aos anticolinérgicos do que aos β-agonistas.34,40 Essas descobertas não se traduziram em diretrizes de tratamento específicas. Por isso nos idosos em que a sensibilidade ao β-receptor esteja deprimida, o anticolinérgico pode ser utilizado mesmo na asma mais leve. Por outro lado, por exemplo, o brometo de tiotrópio, um antagonista muscarínico de longa ação, pode melhorar a tosse crônica da asma por modulação da sensibilidade ao reflexo da tosse da capsaicina, possivelmente proporcionando uma opção terapêutica para o tratamento de tosse refratária em pacientes com asma.40

O brometo de tiotrópio por inalação pode ser utilizado como tratameno add on em pacientes em asma de difícil controle com exacerbações frequentes,27 nas Etapas 4 e 5 da asma. A sua indicação poderia anteceder a de um imunobiológico.

Os antagonistas de receptor de leucotrienos (LTRAs) podem ser utilizados nos pacientes com asma que não forem completamente controlados com doses médias de CI, pois a administração de LTRAs às vezes pode ser mais efetiva do que se elevar a dose do CI.41 Podem se constituir em uma alternativa ao tratamento do CI ou LABA, embora como terapêutica add on ao CI o LTRA pareça ter um efeito modesto em pacientes sintomáticos.42

Pacientes idosos com asma alérgica grave também devem ser considerados candidatos para o tratamento com omalizumabe. As diretrizes da GINA27 recomendam este medicamento como tratamento na Etapa 5. Uma análise de subgrupos demonstrou que pacientes idosos também se beneficiam dessa medicação.25-45 Uma análise de dados de subgrupos sugeriu que o mepolizumabe é eficaz em pacientes idosos com asma eosinofílica.46

Apesar de a teofilina ser um broncodilatador relativamente fraco, alguns pacientes apresentam alívio sintomático com o seu uso, sugerindo outras formas de ação.47 O uso da teofilina no tratamento da asma crônica deve ser considerado (Etapas 3 e 4) em pacientes que se apresentem sintomáticos apesar de doses máximas de CI–LABA. Nestes pacientes a teofilina pode ser utilizada, na tentativa de se evitar a utilização de corticoides por via oral (CO). Levar em consideração que o clearance da teofilina diminui no idoso em 22–35% e pode reduzir-se ainda mais em doenças concomitantes, particularmente hepatopatias e cardiopatias.48 A teofilina é cada vez menos utilizada, porém se prescrita deve ser monitorada devido aos potenciais efeitos colaterais, toxicidade e riscos de interação com outras drogas, particularmente nos idosos com cardiopatias e polimedicados.

O CO está recomendado nas exacerbações e nos pacientes mal controlados de acordo com a classificação GINA Etapa 5.27 Está associado a vários efeitos colaterais: osteoporose, fratura, ganho de peso, doença arterial coronariana, osteonecrose, AVC, catarata, diabetes, miopatia, insônia.49 Os macrolídeos são drogas passíveis de utilização no tratamento da inflamação não eosinofílica das vias aéreas, particularmente na asma neutrofílica refratária.50

O uso simultâneo e de forma crônica de vários fármacos pelo paciente, prática cada vez mais frequente em idosos, tem que ser ressaltado, pois propiciam interações medicamentosas e reações adversas.51 Por exemplo, os bloqueadores ß-adrenérgicos são prevalentes e utilizados para hipertensão e doença cardíaca isquêmica. Há relatos de casos de timolol, um bloqueador beta não seletivo, usado para glaucoma que desencadeia broncospasmo grave e potencialmente fatal.52,53 Os medicamentos anti-inflamatórios não hormonais utilizados para a osteoartrite, altamente prevalentes na população idosa, também podem exacerbar a asma. Diuréticos não poupadores de potássio podem agravar a função cardíaca e levar à hipopotassemia; os inibidores da ECA-1 podem provocar a tosse.

Dispositivos Para Administração de Drogas por Inalação Oral

A escolha deve ser baseada na otimização do custo/benefício, considerando fatores ligados ao paciente, à droga e aos dispositivos que se dispõe. Sempre que possível, deve ser utilizado apenas um tipo de dispositivo na veiculação tanto do CI como do broncodilatador, objetivando facilitar o aprendizado da técnica e melhorar a adesão ao tratamento. Em pacientes com dificuldade no uso dos sprays (aerossóis dosimetrados) por artrite ou problemas de coordenação motora, inclusive quando acoplados a espaçadores, a melhor alternativa passa a ser os inaladores de pó.

Os espaçadores são câmaras de inalação utilizadas para minimizar a má utilização dos sprays. São reservatórios de plástico ou metal que acumulam em suspensão o medicamento nebulizado. Sua eficiência está relacionada ao tamanho, ao volume, à baixa carga eletrostática, à forma e a sua correta utilização. O espaçador permite que o aerossol seja inalado através de uma válvula bucal durante inspiração única ou como recomendado para crianças e idosos, durante o volume corrente. Durante a expiração a válvula se fecha. A inalação através do espaçador deve ser feita imediatamente, pois a meia-vida da droga liberada pelo spray, na câmara do espaçador, é menor que 10 segundos.

Os dispositivos de inalação de pó dependem do esforço inspiratório do paciente. O fluxo inspiratório requerido para uma eficiente utilização depende do dispositivo empregado. Em geral os dispositivos de pó são de mais fácil utilização pelos pacientes (principalmente idosos e crianças), do que os sprays, pois não requerem coordenação entre a liberação da medicação e a inspiração. Um fluxo inspiratório a partir de 30 l min-1 é necessário para o uso eficiente do Ellipta e do Turbhaler.54 Deve ser ressaltado, entretanto, que todos os dispositivos de pó são dependentes do fluxo, atuando melhor com fluxos inspiratórios superiores a 60 l min-1.

Para os pacientes incapazes de utilizar os dispositivos de pó que demandam baixo fluxo inspiratório, resta a nebulização com aparelho equipado com bocal ou máscara adequados. Para a utilização de corticoide por nebulização, dispomos no comércio da budesonida e da beclometasona em suspensão para aerossolterapia. O nebulizador deve ser conectado a um compressor de ar com fluxo adequado (6–8 l/min), assegurando partículas de 2 a 5 μm e volume de câmara de 2–4 ml. Os nebulizadores ultrassônicos não são adequados para a administração de suspensão de corticoide. A dose diária total de budesonida para idosos é de 1-2 mg (2-4 ml da suspensão a 0,50 mg/ml). Deve-se adicionar soro fisiológico a 0,9% para completar o volume da câmara de 2 a 4 ml. A dose de beclometasona é de 1 flaconete — 2ml (0,4 mg/ml) — a cada administração, 1 ou 2 vezes ao dia. O paciente deve enxaguar a boca após a administração. Caso seja utilizada máscara facial, o paciente deve certificar-se de que a máscara se encaixa perfeitamente enquanto estiver sendo feita a inalação, devendo lavar o rosto após o seu término.

As alterações da função cognitiva causam dificuldades no manuseio dos dispositivos de inalação. O uso dos sprays dosimetrados requer sete etapas entre o retirar a tampa e a pausa pós-inspiratória. Esta técnica só pode ser efetuada por pacientes que apresentem uma contagem superior a 6/10, no miniteste mental. O acoplamento ao espaçador reduz este processo para quatro etapas, que podem ser executadas por pelo menos 50% dos pacientes com um escore de 6/10 e por nenhum com escore igual ou menor do que 5. Já os dispositivos de inalação de pó, cuja técnica requer somente três etapas podem ser utilizados com bons resultados em pacientes com escore de 5. Para analisar as funções cognitivas, utilizam-se testes de avaliação mental como o de Hodkinson55 (Tabela 1).

 

Tabela 1: Avaliação do Estado Mental

 

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